O passado parece sempre nos revisitar. Me disseram que é o retorno de Saturno que vem nos cobrar a resolução de coisas que ainda permanecem estagnadas em nós. Acho que as cartas começam a chegar na minha porta pedindo por favor que eu as retorne e tire de mim os pedaços de lama. Acho que naquele ano de 2005, aquele homem que tanto me fez mal veio na minha vida pra me fazer enxergar as coisas que eu era. Era um ano de mudança, e eu precisava entender que eu queria ser artista. Deitada naquela cama, com as pernas presas no ar, olhando aquele quadro que não me lembro mais, ouvindo suas dissertações sobre a vida, me sentindo recalcada, querendo gritar sem saber como. Aqueles livros a bebida no copo o cigarro na mão. Aquele homem trazia um pedaço do universo que eu queria comer. Eu trazia para cama dele a intensidade que na verdade ele não teria coragem de encarar, porque talvez aquilo tudo não fosse dele. Ele seria sim aquele homem comum pequeno burguês que já era e tentava não ser. Eu seria sim a artista que era, que negava ser, misturada com a minha mulher burguesa que sempre fui. Não amava aquele homem, amava aquele quarto e suas interrogações e minha possibilidade de liberdade momentânea. Para viver tudo aquilo abusei de mim, ouvi coisas que não queria, e não poderia suportar de homem algum. Mas na verdade, naquela época, eu me enganava acreditando que eu era aquele nada como ele me pintava. O engraçado é que ele não me achava nada, mas desprezava aquele mundo de sonhos e inocências que eu carregava no colo, e que ele nunca teria, pra poder levá-lo pra longe daquela cama. Eu sai, bati a porta do quarto recortado de homens, e nunca mais voltei, nunca mais nos falamos. Ele seguiu o caminho de terra, eu mergulhei no mar. Agora ele vem me trazer lembranças, nesse ano que entro em casa, e vejo outro rosto no espelho. Estou me sentindo mais leve. Acho que talvez estou começando a perdoar o que fiz comigo em 2005. Eu precisava daquele tratamento de choque, precisava deixar meu quarto rosa, o meu carro confortável, colocar meus sapatos de borracha e escalar paredes de pedras.
Eu precisava daquela revolta dele. Ele também precisava do meu universo na cama dele. Não que quisesse ter uma vida diferente da que ele têm. Mas aquilo tudo fazia ele se sentir vivo.
PS: ouvindo o cd de musiquetas.
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