quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Piol




Ela entrou na minha vida pelo meu ouvido. Ficou. Mora em um lugar do meu caminho que pertence, compartilha. Escuto a voz dessa mulher, doce, que nina. Outro lugar de Andréa. Poucos conhecem. Olhamos-te com tua voracidade e urgência, que arrebata a todos que passam. A doçura vem pelos cantos. Está lá dentro pra poucos que conseguem conquistar um espaço. Ela escorre na tua voz. Artista do mundo, está na hora de voar. Está na hora de continuar o vôo. Não se pode negar ou segurar essa arte que necessita do mundo. Pra isso você existe... sem dúvida. Eu agradeço, reverencio e te espero.


http://www.myspace.com/encarne

domingo, 23 de agosto de 2009

Um pouco de mim. Aceita?



Continuo seguindo as pautas que os outros colocam pra mim. Até quando?...

Estou bastante angustiada. Ontem fiquei vendo coisas em mim que não suporto. Vi em mim uma mulher reclamona. Reclama, abre a boca e reclama. Não sei falar direito. Será que é assim que eu vejo o mundo? Não gosto de ser social. Não sei. Não quero. Ontem eu fiz. Falei com todos com cara de felicidade, mas a minha cara queria ser de confusão. É preciso ser simpática. É preciso não falar o que nos inquieta. É preciso gostar do mundo sempre, não ser confusa e principalmente sorri. Como gostam de um sorriso na face. Se você for boneco melhor ainda. Não se pode cagar, vomitar e peidar. Isso causa repúdio. Precisamos ser enfeites belos, mulheres bonitas, e de preferência devemos morrer com cara de quem ainda vive; assim todos começam a nos amar. Sejamos bonecos velhos e sem opinião!


quinta-feira, 20 de agosto de 2009



Éramos nós, estreitos nós...
Amo-os, estes seres de luz.

Uma Canção Desnaturada

Uma Canção Desnaturada
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque

Por que creceste, curuminha
Assim depressa, e estabanada
Saíste maquiada
Dentro do meu vestido
Se fosse permitido
Eu revertia o tempo
Para viver a tempo
De poder

Te ver as pernas bambas, curuminha
Batendo com a moleira
Te emporcalhando inteira
E eu te negar meu colo
Recuperar as noites, curuminha
Que atravessei em claro
Ignorar teu choro
E só cuidar de mim

Deixar-te arder em febre, curuminha
Cinquenta graus, tossir, bater o queixo
Vestir-te com desleixo
Tratar uma ama-seca
Quebrar tua boneca, curuminha
Raspar os teus cabelos
E ir te exibindo pelos
Botequins

Tornar azeite o leite
Do peito que mirraste
No chão que engatinhaste, salpicar
Mil cacos de vidro
Pelo cordão perdido
Te recolher pra sempre
À escuridão do ventre, curuminha
De onde não deverias
Nunca ter saído

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

...

Estou sentindo um vazio dentro de mim, uma saudade de não sei o quê. Um querer colo um querer cheiro um querer...

"...Volta!
Vem viver outra vez a meu lado
Não consigo dormir sem teu braço
Pois meu corpo está acostumado
Mal acostumado..."

Por onde eu me perdi? Não consigo te achar Rimenna...

sábado, 15 de agosto de 2009

Ele para Ele

"Eu comecei a existir naquele dia que de repente avistei, Ele. Eu morava no quarto andar da rua Norton, no bairro Das Beiradas, na cidade dos Sem Nomes. Ouvia barulhos pelas ruas como se as pessoas estivessem passeando por dentro do meu apartamento. Todos os tipos de ruídos chegavam cedo a me despertar dos sonos e sonhos que me levavam pelas noites. Naquele dia de céu de um único azul, eu o avistei pela beirada da minha janela. Fiquei lá pendurada, mais ou menos uns vinte minutos, pelo menos psicologicamente. Se ele soubesse como gosto de homens suados de bicicleta vermelho do sol com vontade de existir. Ele surgiu assim, e naquela época eu nem sabia direito como eu gostava dos homens. Eu era um ser em fase constante de amadurecimento que nunca chegava. E foi nesse momento que comecei a duvidar se eu realmente entendia o sentido das coisas. Na verdade, não de coisas apenas, mas das palavras que davam nome as coisas.


Ele que se chamava Ele, dizia que sua profissão era ser entregador de felicidade. Por isso tinha uma bicicleta amarela, a barba marrom meio ruiva, e os pés de quem quer andar pelo mundo. Vivia por aí cantando com a vida daquela forma que unicamente ele sabia fazer, parecendo que não tinha sorriso, mas o sorriso aparecia pra quem soubesse ver. Era aparentemente um homem sem acesso. Era aparentemente um homem. Daí, eu descobri que ele era Ele.


- Quem é? Sei! Aha! Tá! Pode subir!


Primeiro o passo um, o dois, o três... os rastros do homem foram sendo fincados na escada, suas mãos marcaram as paredes dos corredores da rua Norton, e eu grudei o ouvido, estatelei as mãos na madeira, e fiquei ali condensada, esperando a melodia que saía daquele homem. Ouvi uma sinfonia inteira até ele chegar no quarto andar, apartamento 10. Abri a porta, virei à chave duas vezes, o cachorro encardido no chaveiro balançava pra lá e pra cá. Abri a porta, todo o meu cabelo na frente do meu rosto escondendo aquilo que era eu. Abri a porta, meus pés descalços gelados, o meu lábio preso pelo dente da frente. Abri a porta.


- Mulher, ei Mulher. É tu que agora vem viver cá nas bandas de cá?


Foi assim. Primeiro me desconheci, depois me vi adolescente, depois estiquei a coluna, saiu um duende louco gritando do meu peito, e eu me vi, parei na minha frente e fiquei olhando dentro dos meus olhos. Tinha um vazio, um não-lugar do mundo, uma certeza de existir, e aquele perfume de amora com pimenta.


Passou dez segundos, o lábio do Ele foi soltando a minha boca, o gosto do homem foi escorrendo pelos meus buracos, fui ficando tonta entorpecida drogada com gosto de choro, agarrei ele com minhas pernas, ouvi o universo gemer, e caí."

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A acrobata


Luz Marina Acosta era menininha quando descobriu o circo Feruliche.
O circo Feruliche emergiu certa noite, mágico barco de luzes, das profundidades do Lago da Nicarágua. Eram clarins guerreiros as cornetas de papelão dos palhaços e bandeiras altas, os farrapos que ondulavam anunciando a maior festa do mundo.

A lona estava toda cheia de remendos, e também os leões, aposentados leões; mas a lona era um castelo e os leões, os reis da selva. E uma senhora rechonchuda, brilhante de lantejoulas, era a rainha dos céus, balançando nos trapézios a um metro do chão.

Então, Luz Marina deciciu tornar-se acrobata. E saltou de verdade, lá do alto, e em sua primeira acrobacia, aos seis anos de idade, quebrou as costelas.

E assim foi, depois, a vida. Na guerra, longa guerra contra a ditadura de Somonza, e nos amores: sempre voando, sempre quebrando as costelas.
Porque quem entra no circo Feruliche não sai jamais.

Eduardo Galeano