domingo, 27 de setembro de 2009

Meu pai me dizia que eu deveria ser plantadora de sementes, mas as sementes almejadas pelo meu pai eram de silhueta gorda, cabeça pontuda e raízes horizontais. Eu menina andava pelo mundo de bicicleta olhando árvores e tentando adivinhar o formato e o cheiro das sementes espalhadas pelo mundo. Ficava imaginando como seriam as minhas asas, se seriam extensas e se ocupariam espaço no céu quando de fato eu estivesse pronta pra me equilibrar nas nuvens. Corria pelas calçadas vizinhas, descobria cores, peso de sementes diversas. Olhava, lambia, mas aquelas não tinham a face de semente que eu acreditava que seria a semente minha. Sendo que um dia, acordei de madrugada e resolvi bater um cochicho com os passarinhos. Deitei-me na rede de panos, pendurei minhas pernas sob o vento e rezei para que todos os anjos me dessem uma única pista se eu realmente deveria ser plantadora de sementes. De tanto rezar, adormeci na manhã. Papai do céu me pegou de leve, soprou-me no rosto com seu hálito macio e me contou que eu era uma menina de verdades verticais. Acordei com densidade diferente, e tudo depois daquele encontro com Deus vinha carimbado com o “por quê”. Agora o universo era um por quê. Desafiei meu pai, me vi semente, cresci árvore, morri esterco. Fiz tantas coisas poéticas tentando descobrir o feio. Mergulhei no vômito do mundo. Neguei todos os presentes. Chorei sorrindo por me sentir gente. Me perco, me vou. Quero martelar o universo pra entender que sou mais uma minúscula parte de tudo.

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