sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Maria Elvira

- Ah Maria Elvira, se eu te pego eu te como!

O grito cruzou o meu quarto. Os meus olhos abertos, secos, sem orientação. Não sabia ao certo se ainda estava no mundo do sonho ou se estava em algum quarto, perdida em alguma cidade. Respirei três vezes e acordei. Atrasada. Minha mãe berrava na cozinha, o galo no terreiro ciscava a terra continuamente, e eu estava dolorida. Os meus olhos pareciam ter chorado à noite toda. Ombros braços costas imóveis e pesados, massacrados. Órgãos arrancados. Quem poderia ser eu em uma manhã como essa?

Abri a boca, meia boca aberta de dentes gosmentos e amarelos. Gritei um a profundo e agudo que caiu nos ares da minha cidade e destruiu aquele mundo. O sangue desceu pela minha perna, minha vagina molhada, os seios descobertos, agudos.

Tinha noventa anos, cinco anos pregada no mesmo travesseiro, e mal conseguia lembrar-me do dia que virei mulher. A gata velha veio e lambeu meu rosto mais uma vez. Sim, eu ainda vivia.

Um comentário:

Eugênio Macêdo disse...

nó, gostei do seu mini-conto...
hisltiano...
parabéns!!!!!